sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Representação sonora


Dasil
"As Quatro Estaciones (Vivaldi)"
Acrílico sobre tela
122x91


No Ocidente, o som sempre teve um quê de misterioso. Onipresente e, ao mesmo tempo, evanescente, o som não se rende ou se submete facilmente ao raciocínio acostumado a coisas, locais e configurações estáveis. Som é mutação.
Som é mutação e música é som no tempo. Quando esse tempo é histórico, quando falamos de música do passado, a relativização é exponencial, pois estamos lidando com um objeto artístico produzido e consumido “naquele tempo”, algo que se esgotou em sua fruição. Os registros que permanecem do objeto, as partituras, são imperfeitos em mais de um sentido, longe de serem capazes de propiciar a reprodução dos sons daquela época. As performances atuais de músicas do século XVIII serão sempre reinterpretativas.
  • “Na terminologia da teoria da recepção, o leitor ‘concretiza’ a obra [musical, literária ou pictórica], que em si mesma não passa de uma cadeia de marcas negras organizadas numa página. (…) A obra cheia de ‘indeterminações’, elementos que, para terem efeito, dependem da interpretação (...), e que podem ser interpretados de várias maneiras, provavelmente conflitantes entre si.” (EAGLETON, 1983:82.)
E se os sons são representações das coisas, observemos que são representações sincrônicas, representam as coisas que lhes são contemporâneas em sua evanescência. Os sons e as coisas do passado se contaminam reciprocamente pela natureza vã de sua essencialidade, por pertencerem concomitantemente ao tempo do perfectum. Um tempo de outra mentalidade, de outras pessoas, diferentes motivações e tudo o mais que costumamos costurar sob o rótulo de ideologia. Sobretudo, trata-se do tempo kairológico muito mais que cronológico – ainda que esta discussão aqui apontada seja excedente, ela merece ser apontada.
A obra musical teria se concretizado em sua audiência, aquele momento para o qual foi concebida, dela restando a possibilidade reinterpretativa.

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