quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Prolepse

ALTOMONTE Bartolomeo,
As quatro estações adorando Cronos,
Óleo sobre tela, 74,5 x 94,5 cm

Não cabe discutir a psicologia do eu poético, nem cabe ver no parágrafo anterior confessionalidade de autoria, tampouco se podem denegar ambas as coisas. Se não se pretende em nossos dias o mais perfeito afastamento pessoal do objeto da ciência, escusado dizer é que não se pretendeu tal façanha em produto cuja natureza seja estética. Tampouco se pretendeu, quando da opção pela abordagem explicitamente retórica, refutar ou sobrevalorizar qualquer discurso.
No Programa Iconográfico, os planos das superfícies dos signos pictográficos conectam-se aos planos das superfícies dos signos dos suportes. As interfaces são criadas entre suportes e signos em combinações diferentes e eles suplementam-se ou friccionam-se, a ponto de fazerem da imagem design ubíquo que permeia outras e diversas manifestações estéticas e exercícios linguageiros.
Assim como o Programa Iconográfico é em si uma alegoria retórica, repleto de referências discretas em leitura e expressão contemporâneas, esta Monografia sobre aquele Programa procurou seguir-lhe a trilha. Ora com rigor categórico, ora com metáforas e estendendo o sentido dos termos retóricos, foi emulado o discurso formal, eivando-o de transgressões até permissivas ou mesmo inconscientes, mas sempre desejáveis, pois coerentes com “modernidade” ou “pós-modernidade” de ambos os produtos .
A busca não foi, como já se afirmou aqui, por uma doutrina, caracterização ou mesmo investigação teórico-bibliográfica no campo da arte, mas da produção nesse campo; todavia a doutrina está latente no invento e vice-versa. O Programa Iconográfico das Quatro estações foi entrega à prática polissêmica transdisciplinar, subsunção a meta-referências retóricas sublimando-as num tipo de autofagia do modelo que foge à frieza da categorização aristotélica aderindo-lhe à estrutura. Aceitando-lhe os fundamentos, mas negando-lhe as conseqüências.
A reapropriação da retórica figura aqui como ressonância de causalidade acrônica, espécie de isomorfia não-contígua, decorrente da idéia de recaimento (retombée) . Para explicitar essa idéia, o caminho adotado foi o cotejo entre os campos da arte e da ciência, à luz das relações entre esses dois campos e a opção pela investigação no campo da estética arte negando implicitamente a dicotomia ortodoxa dos campos . Em segundo passo, elementos daquela arte e daquela ciência são examinados empiricamente sob o prisma da mesma episteme, quando “a seqüência de recaimentos assegura a primazia da artificialização como via possível para encararmos a rede de textos que se entrecruzam, gerando uma mestiçagem fértil e salutar de saberes e estéticas irmanados” .
A isomorfia foi encarada como prática retórica operacional para teatralizar, no âmbito do discurso pictórico, a incorporação, pela expressão plástica, de linguagens artísticas e reflexivas afins. Ao aquiescer à expansão desse intercâmbio estético e discursivo, foram engendrados simulacros que evocaram recursos técnicos a que já se aludiu como neobarroco , mas prefira-se o cioso distanciamento de enquadramentos que tendem a se tornar restritivos, quando não minimizantes, afinal, não existem mais modelos a copiar nessa episteme visual que tem sede na ruptura.
O jogo especular transdisciplinar da proposta deixa ao espectador o trânsito pelos espaços interespeculares, não sem lhe esconder alguns pontos de vista, mas sem querer limitar-lhe a vista a um ponto. E nesse jogo de palavras, como no jogo de espelhos, há caminhos para se perder, mas os há para se achar ou para achar o outro. “A consciência desse espaço vacante, onde repousava a solidez dos pilares conceituais a sustentar verdades irrefutáveis erigidas pela ratio, franqueia a proliferação retórica, a metástase irreprimível do discurso, a contrapelo da linguagem econômica e funcional, refratária ao desperdício.”
Essa linguagem econômica e funcional, tão característica da manifestação pictórica dos dias de hoje, é a expressão do Programa Iconográfico. É a linguagem que, criando espaços vacantes entre os espelhos e prismas da significância pretendida, estabelece os limites – tal como a arquitetura – e a forma a serem ocupados pela interpretação.
O Programa Iconográfico está repleto de poéticas do tempo e do espaço contemporâneo que podem parecer paradoxais, pois passado e presente coexistem. As poéticas visuais reinscrevem continuamente em seus diferentes suportes a multiplicidade apontada pelos concretismos, tão farta de signos visuais que se atualizam a cada processo.
Cada processo de atualização dos signos e suportes abre possibilidades visuais, mas também, auditivas, tácteis. Sobretudo são propostas discursivas. Cabe sobrepor à metáfora do labirinto especular o desfiladeiro de ecos, não transpondo a construção imagética do raciocínio para a sonora, mas transliterando os tropos literários e musicais para a expressão plástica e, aí sim, amplificar pela matéria que ocupa o espaço de ressonância a experiência sensorial-estética. Essa foi a tentativa.
Resta que não cabe ao autor, nem no Programa Iconográfico, nem na Monografia, interpretar-lhes ou explicar-lhes o que reside no óbvio ou o transcende, pois tal seria o mesmo que destruir a obra. Fiquem os textos em aberto, mantidos os espaços lúdicos para o autor e os intérpretes na eterna dialética reinterpretativa.

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