O fracionamento do saber e do ver implica a especialização das ciências também e resulta na fragmentação das consciências, na interpretação isolada dos eventos e dos signos. A realidade vista apenas em fragmentos seccionados, forjando-se a ilusão e incorrendo em erro de paralaxe. Essa visão destorcida do mundo é o que vem ocasionando a poluição, a destruição do equilíbrio na natureza, na medida em que as visões separatistas desvinculam a ciência da consciência, a sensibilidade da racionalidade, a materialidade da espiritualidade, o sonoro do cromático, o poético do científico.
Esse modelo disciplinar ou estético separatista desvincula o conhecimento da sinuosidade, complexidade e multiplicidade do cotidiano, constituindo-se de teorias abstratas, lineares e cinzentas – em termos pictóricos, monótonas ou monorítmicas – em termos musicais. “O pensamento é separado da carnalidade do vivido.” Os conteúdos fracionados e reduzidos a fórmulas analíticas quantitativas desfiguram o dinamismo qualitativo do ser, das coisas, das interligações existentes entre parte e todo. A segmentação analítico-funcional e estética denegou o ontológico, a compreensão expressiva do ser em sua unitas multiplex, a inteireza e complexidade das coisas, dos seres, dos signos.
A “carnalidade do vivido”, quer posta em termos estéticos ou científicos, há que ser devidamente torcida, para que dela se extraia o sumo que o verbo, o compasso ou o arco-íris da palheta representam.
Mesmo a dicotomia arte-ciência é empobrecedora, veda o universo sensorial, obsta a imaginação (principalmente dos leigos). É a ciência positiva, matematizada, fria e tecnicizada (obsoleta!), isolando filosoficamente o homem social. Descartar a ciência no processo inventivo é abandonar o elemento gnosiológico do contato entre a poesia e a pintura no discurso platônico. Descartar a arte no conhecimento científico é relegar ou negar o papel do sujeito na construção do saber.
ANTES, O VERBO
Torcer o verbo,
Antes que ele se torne carne.
Rasgar a carne,
Antes que ela se torne pecado.
Gozar o pecado,
Antes que ele se torne proibido.
Esquecer o proibido,
Antes que ele se torne verbo.
Torcido e rasgado,
Gozado e esquecido,
O verbo e a carne,
O pecado e o proibido.
Que tudo se torne.
Antes.Araguaína, 2 de dezembro de 1994
ATHAYDE. P. 2001:72.
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