sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Elocução

Programação visual

Na programação visual foram adotados campos áureos em composição que representa os andamentos dos concertos, sua dinâmica e seu afeto. O grafismo na composição do Programa Iconográfico integra os quadros em discurso lógico, simbólico e icônico; o planejamento de sua posição relativa, cada um em função dos demais, em cada um dos trípticos, e deles entre si, funciona como rubrica da exposição quase tanto quanto a própria seqüência das Estações (como música, poesia ou fases do ano) o faz naturalmente. Todos esses elementos foram articulados com coerência retórica, apresentando-se em conjugação alguns dos princípios mais clássicos e outros dos contemporâneos.

Van de Velde: Primavera

A referência contemporânea mais forte no Programa Iconográfico é Amílcar de Castro, tanto por sua macro-influência como prócer do neoconcretismo quanto pela remota relação discente daquele mestre para com o autor do Programa.

Em suas reformas gráficas e ao longo de sua carreira como professor e precursor da moderna diagramação, Amilcar de Castro propõe a verticalidade da composição em confronto com a horizontalidade; cria jogos de matérias simétricas com outras assimétricas; retira quase todos os fios; amplia o claro (canal) entre os campos, padroniza o tamanho e tipo de linguagem; recomenda a exclusão de dobras ou joelhos que prejudiquem a forma retangular da composição; no projeto original, as matérias não passariam de uma lauda e meia (na tipografia, resultavam retângulos próximos à proporção áurea, em duas colunas) valorização do material iconográfico, uso do claro-escuro para trabalhar o equilíbrio estético.

Van de Velde: Verão

Segundo BLIKSTEIN , a verticalidade e tudo que a ela se associa (em pé, alto – por exemplo) é sinal de valorização, meliorativo. Indica superioridade, majestade. Contrariamente, a horizontalidade tem conotação pejorativa, via de regra. Deprecia-se o que está caído, deitado, abaixo. Outros vieses interpretativos seriam a frontalidade contra a posteridade, retidão contra tortuosidade, claro contra escuro. Esses padrões ou “óculos sociais”, como os chama Adan SCHAFF , são estereótipos do campo semântico, fornecendo-nos pistas de significâncias para interpretação ou composição discretas. Por esses signos interpretamos o dado intertextual, multimídia – como se diz atualmente.

Entre os aspectos que aproximam Vivaldi de Amilcar de Castro está o privilégio da visualidade da música e poesia transpostas para a materialidade espacial, tomando as palavras e os sons por sua representação gráfica. Amilcar explora a metalinguagem da escultura, do desenho, do grafismo e da composição, fazendo saltar à percepção aspectos como o peso e a conquista da dimensão espacial contra a temporal. O método comparativo, que é a própria técnica das símiles e da transversalidade, serve ainda para confrontar o projeto construtivo presente em ambos, mas que em Amílcar toma as peculiaridades da ruptura neoconcreta.

Se o concretismo já se apresenta como a atitude resultante de visão ampla da arte, como produto ou matéria filosófica, o neoconcretismo pode ser visto como nova síntese sucedânea ou como aprofundamento da experiência anteriormente contida. E se já nos aproximamos de meio século do Manifesto Neoconcreto, várias sínteses se transformaram em análises, o neo ficou velho, os pós foram depostos e o ismo se presta ao obsoletismo. Compartimentalizar, fragmentar e rotular – principalmente no fragor da batalha criativa – não têm mais sentido.

Van de Velde: Outono

Mas a referência aos movimentos estéticos dos séculos decorridos se presta a comparações e para manter vínculos de autoritas recentes nessa trama de supertextos poéticos.

Curiosamente, o neoconcretismo rejeita a formulação da obra de arte como máquina, aproximando-a da noção de organicidade da apreensão fenomenológica do objeto. Todavia o Programa Iconográfico articula elementos claramente neoconcretos à retórica, o que não parece contrariar a prática neoconcreta, mas tão somente esse postulado teórico.

Os painéis de As Quatro Estações delimitam planos, tanto quanto são superfícies pictóricas, são planos que discursam em sua articulação plana. São planos que significam pela razão (áurea) de sua dimensão, pela escala (amplitude – grandeza... aqui as palavras se confundem, mas a referência é ao tamanho dos objetos), são ainda planos que têm característica bidimensional à primeira vista, mas há dois aspectos que trazem o Programa para o universo fronteiriço entre a escultura e a pintura em que se situa grande parte da poesia visual até estes primórdios de século: o primeiro aspecto – geral – é o fato de que a terceira dimensão é antecedida de duas dimensões, necessariamente (a bidimensionalidade é conteúdo da tridimensionalidade continente); outro ponto – mais particular, é que a disposição ideal do Programa seria em ambiente retangular – quadrado se possível, no qual o espectador pudesse ver uma das estações em cada direção, completar o périplo visual entre elas pelo giro em torno de seu próprio eixo anatômico e, assim, reforçar a noção cíclica do discurso proposto.

Eis que o Programa Iconográfico se transformou, com a proposta do parágrafo anterior, em imenso objeto escultórico, feita a apropriação do espaço expositivo como matéria vazia do objeto e inserindo nele o espectador, para que ali ele se perca em meio ao discurso da obra e aos outros eventuais observadores, e que o conjunto todo possa interagir, o supertexto plástico completado pela manifestação ou simples existência do espectador – aqui já devorado pela tridimensionalidade, como expectador agora – e até mesmo pela eventual música ambiente; qual seria esta?

Van de Velde
: Inverno

O elemento concretista no Programa iconográfico transcende o uso do espaço pictórico e dos suportes e mesmo o uso do espaço expositivo. Há no trabalho em estudo investigação ligada à infinitude da superfície – material e iconicamente plana – mas circular e infinita na representação. Há questionamento da relação espaço-tempo, tanto no sentido histórico das durações quanto no sentido psicológico das emoções. Há multiplicidade de direções e pontos de partida, pois se pode iniciar a observação do programa partindo de qualquer das Estações, não há estação inicial, assim como as pessoas nascem igualmente em qualquer delas.

O ritmo das Quatro Estações, quer expresso pala alternância de movimentos lentos e rápidos dos Concertos Grossos, quer marcado pelas alternâncias ou repetições dos sentidos dos retângulos nos painéis, é o ritmo da vida. Há problemas geométricos, escalas cromáticas, retórica, múltilpas manifestações artísticas envolvidas nesse “hiperdiscurso”, mas houve sempre a unidade no múltiplo, assim como autonomia nas partes. Poesia visual composta como épico particionado em sonetos.

Finalmente, a abordagem fenomenológica das obras As Quatro Estações permite descobrir na dobra (no sentido plástico) ou nos planos contrapostos o encontro, confronto e complementaridade entre arte visual, poesia e música, deixando de lado as notórias diferenças, sobretudo para asseverar as semelhanças.

Seasons
"The four seasons were a popular subject for painters and draughtsmen. For centuries the seasons of the year were depicted in scenes representing the work that took place at particular times of the year on the land. Winter was usually depicted with skating scenes. This changed in the seventeenth century. Artists searched for new ways to represent the seasons, as did Van de Venne to a certain extent. In 1617, Jan van de Velde the Younger made these four etchings in with which he became one of the first to depart from traditional images of the seasons."


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